AUDIÊNCIA PÚBLICA 
 
 
FONTE: jornal "A Tribuna" de Santos/SP
Edição de 5 de junho de 2.003 (quinta-feira)
 

São Vicente

Encontro discute efeitos do lixo químico

Da Reportagem

Nilson Regalado

Para buscar soluções definitivas para os efeitos do desastre ambiental provocado pela Rhodia na região entre as décadas de 60 e 70, a organização não-governamental (ONG) que reúne vítimas da contaminação e a Câmara de São Vicente promovem hoje, a partir das 9 horas, a audiência pública Caso Rhodia Baixada Santista.

  Ex-funcionários da multinacional francesa alegam que ainda sentem os efeitos da manipulação dos organoclorados e temem que as sequelas possam estar sendo passadas geneticamente para seus descendentes. A ONG exige a retomada dos exames médicos em todos os moradores das 11 áreas identificadas como antigos lixões da Rhodia.

  ‘‘Esse foi o maior desastre ecológico que se tem notícia no Brasil mas, até hoje, nenhum exame foi feito nas pessoas que residem no entorno desses lixões’’, protesta João Carlos Gomes, diretor de Comunicação da ONG Associação de Contaminados Profissionalmente por Organoclorados (ACPO).

  ‘‘Essa reivindicação foi atendida em menos de dois anos quando se descobriu que a Shell contaminou o solo em Paulínia, no Interior. Aqui, passados quase 20 anos da primeira descoberta, ninguém foi examinado’’, completa Gomes.

  O temor de que os vizinhos das 11 áreas onde foram identificados resíduos tóxicos possam estar contaminados é reforçado pelo aposentado baiano Antônio Barrada.

  Há 12 anos morando em um sobrado, a cinco metros da cerca que limita um dos lixões da Rhodia no Quarentenário, em São Vicente, Barrada não esconde a preocupação: ‘‘Nunca fizeram um exame na gente’’.

  O aposentado sofre de problemas de pele. ‘‘Outro dia, eu ajoelhei para cavar o chão para fazer o baldrame da minha casa. Dois dias depois surgiu uma irritação na pele que eu não aguentava de tanto coçar. Levou dois meses para curar’’.

  ‘‘Em Itanhaém, próximo à area de descarte, há casos de jovens mães que registram até quatro abortos espontâneos e que têm filhos pequenos com leucopenia grave’’, afirma o diretor da ACPO, salientando que os alunos da escola que fica a 300 metros do lixão sentem dores de cabeça frequentes. ‘‘Será que não há uma relação entre esses casos e o descarte dos organoclorados naquela área?’’.

Cloroacne

  A realização de exames médicos nas pessoas que residem perto dos lixões chegou a ser anunciada pelo Governo do Estado no início da década de 90. Porém, o chamado Projeto Samaritá foi repassado à Prefeitura de São Vicente, que acabou abandonando a proposta.

  Afastado da empresa há quase 20 anos, o aposentado Francisco Alves de Moura passou por 48 cirurgias para remoção de cloroacnes, espécie de furúnculo considerada uma reação do corpo que expulsa os poluentes através da pele. A última aconteceu em outubro do ano passado.

  Além das cloroacnes, Moura alega ter sofrido corrosão química na laringe e no pulmão esquerda por conta da manipulação do pó-da-china na fábrica da Rhodia em Cubatão. Até os 65 anos, Moura terá direito a remuneração mensal por parte da empresa a título de indenização.

Protestos

  Para a audiência de hoje foram convidados o médico Alfredo Scaff, coordenador do Centro de Controle de Intoxicação do Hospital Guilherme Álvaro, em Santos; o presidente da Cetesb, Rubens Lara; o procurador da República, Antônio José Donizetti Molina Dalóia; e a secretária de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Marijane Vieira Lisboa.

  Novas manifestações pedindo solução para o passivo ambiental deixado pela Rhodia devem acontecer amanhã. Às 9 horas, os manifestantes se concentrarão no portão da antiga fábrica da Rhodia, em Cubatão. Às 10 horas, o protesto será na Praça dos Ambientalistas, no Jardim Rio Branco, em São Vicente.

Produtos industriais contaminaram 11 pontos da região

Da Reportagem

  O hexaclorobenzeno (HCB), classificado como molécula da morte; pentaclorofenol e pentaclorofenato de sódio, conhecidos como pó-da-china; e outros produtos químicos manipulados pela multinacional francesa contaminaram o solo e o lençol freático da região. Porém, passados 20 anos da descoberta do primeiro lixão da Rhodia, não existe ainda um diagnóstico que aponte os efeitos dessa poluição na saúde das pessoas que residem perto das áreas onde o lixo quimico foi descartado.

  O desastre ecológico foi considerado um dos oito maiores do mundo pela Organização Mundial de Saúde (OMS), contaminando 11 pontos de São Vicente, Itanhaém e Cubatão.

  A invasão de áreas suspeitas de contaminação foi incentivada por políticos no início da década de 90, sobretudo no Quarentenário, em São Vicente. Hoje, cerca de 40 mil pessoas moram ao lado de um dos maiores lixões, apesar de os órgãos ambientais terem determinado o isolamento e a remoção das famílias que habitavam o entorno dessas áreas.

  De acordo com organismos internacionais de saúde, os produtos manipulados pela Rhodia provocam sequelas no sistema nervoso central, no fígado e nos rins, além de enfraquecerem o sistema imunológico.

  As 11 áreas contaminadas foram identificadas pela Cetesb e pelo Ministério Público a partir do resgate de documentos que apontavam a contratação de uma empresa de transporte que acabou descartando o material em locais inadequados.

Muito mais

  A Associação dos Contaminados acredita que a quantidade de locais contaminados pode ser muito maior, na medida em que a tecnologia utilizada para identificação dos pontos de descarte era limitada quando o rastreamento foi feito, nos anos 80. A estimativa é que possam ter sido despejadas no solo até 300 mil toneladas do coquetel químico, considerado altamente cancerígeno.

  Ainda conforme a entidade, é provável que o descarte dos produtos químicos no solo tenha acontecido durante dez anos, desde o final da década de 60 até o fim dos anos 70, época em que a área continental de São Vicente e a região do Rio Preto, em Itanhaém, abrigavam poucos sítios.

  Os pontos de descarte foram identificados pelo MP e pela Cetesb a partir de fotos aéreas. Os lixões ficavam em estradas vicinais abertas no meio da mata por extratores de areia que deixavam crateras no solo. O transportador contratado pela Rhodia aproveitava esses buracos para despejar o material tóxico.

  ‘‘Como essas fotos foram feitas muito tempo depois, é possível que muitas dessas estradas tenham sido fechadas pela vegetação, ocultando os depósitos de lixo químico’’, salienta João Carlos Gomes, diretor de Comunicação da ACPO e ex-funcionário da Rhodia.

  A multinacional francesa nega a existência de outros pontos de descarte. ‘‘Na tentativa de localizar outros lixões foram pesquisadas 500 áreas suspeitas e perfurados dois mil poços’’, salienta o consultor Plínio Carvalho, que presta serviço para a Rhodia.

Estação abriga resíduos há 10 anos

Da Reportagem

  O fechamento da fábrica da Rhodia completa dez anos no próximo domingo. Porém, a data não será comemorada pelas vítimas da contaminação já que os problemas que levaram a Justiça a determinar o fim das atividades da empresa continuam sem solução.

  O maior exemplo disso é a Estação de Espera instalada às margens da Rodovia Padre Manuel da Nóbrega. Projetada para receber 12 mil toneladas de solo contaminado, a unidade abriga hoje 33 mil toneladas. A estação teria vida útil de apenas cinco anos, mas armazena material tóxico há uma década.

  Em agosto do ano passado, a Cetesb determinou a remoção e disposição dos resíduos em um aterro sanitário adequado. Foi estipulado o prazo de um ano para remoção do lixo, mas a empresa recorreu da decisão. A Rhodia alega que a estação é segura e monitorada 24 horas por dia. E diz ter gasto cerca de R$ 60 milhões nos últimos dez anos na tentativa de resgatar o passivo ambiental.

  A empresa chegou a construir um incinerador que queimou 70 mil toneladas de solo contaminado retirado das 11 áreas onde foram encontrados resíduos tóxicos. Na avaliação da multinacional, no momento, a melhor solução seria a utilização de dois fungos capazes de degradar o material químico de forma natural, num processo conhecido como biorremediação.

   

São Vicente

Médico prevê mais casos de câncer

Da Reportagem

  O médico Alfredo Scaff prevê uma ‘‘explosão’’ nos casos de câncer na Região Metropolitana até o final desta década, por conta da contaminação do solo pelos lixões químicos da Rhodia. A previsão foi feita ontem, durante a audiência pública Caso Rhodia Baixada Santista, realizada na Câmara de São Vicente.

  De acordo com Scaff, os efeitos cancerígenos dos organoclorados manipulados na fábrica da Rhodia, em Cubatão, até 1993 começam a aparecer após 40 anos do contato com a substância tóxica.

  Como a unidade foi inaugurada em 1966, a perspectiva é que esses reflexos na saúde pública estejam próximos de aparecer. O médico pertence ao Centro de Controle de Intoxicação do Hospital Guilherme Álvaro, em Santos, e realizou estudos na área continental de São Vicente até 1994, quando os exames médicos com os moradores do entorno dos lixões foram paralisados.

  ‘‘Esses produtos já poluíram o ar, as águas e o pescado. Qualquer pessoa que estiver na Baixada Santista está sujeita a essa contaminação. Se for mais suscetível, vai desenvolver o câncer’’, salienta Scaff.

  A versão de que a poluição causada pela Rhodia teria atingido toda a população da Baixada leva em consideração estudos feitos no início dos anos 90 com mulheres da área continental de São Vicente, onde foram detectados três pontos de descarte de lixo químico, e mulheres do Embaré, em Santos.

  O nível de contaminação no leite dos dois grupos apresentou níveis semelhantes.

Sem compromisso

  Apesar do alerta do intoxicologista, a engenheira sanitarista Alda Pequeno, que representou o diretor regional de Saúde, José Ricardo Di Renzo, não quis assumir nenhum compromisso no sentido de realizar exames médicos nas populações que moram no entorno dos 11 lixões encontrados até hoje.

  A Cetesb também frustrou a expectativa dos organizadores da audiência que defendem a realização de estudos para identificar a existência de possíveis novos lixões químicos.

  A agência ambiental também não definiu prazos para a remoção das 33 mil toneladas de resíduos tóxicos armazenadas de forma inadequada em São Vicente.

  O armazenamento dos resíduos contaminados por hexaclorobenzeno (HCB), conhecida como molécula da morte, e por pentaclorofenol e pentaclorofenato de sódio (conhecidos como pó-da-china) na estação de espera começou no final dos anos 80 e deveria durar apenas cinco anos, que era a vida útil estimada para o equipamento.

  Outro complicador nessa questão é o fato de a unidade de armazenagem ter sido projetada para abrigar apenas 12 mil toneladas, abrigando hoje 33 mil toneladas. Questionada a respeito do assunto pelo Ministério Público Federal, a Cetesb determinou à Rhodia a remoção do material até agosto deste ano.

  Porém, a empresa questionou a postura da Cetesb, protelando a decisão sobre a remoção dos resíduos. A Rhodia pretende tratar os produtos químicos com fungos e bactérias na própria estação de espera, num processo conhecido como biorremediação.