CRÉDITOS: FOLHA on LINE

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002 

AMBIENTE

Compostos potencialmente cancerígenos foram detectados em local onde podem atingir as águas subterrâneas


Aterro de Cubatão recebe solo contaminado


Terra contaminada por produtos tóxicos depositada em parte de aterro sanitário de Cubatão; ao fundo, área industrial da cidade



MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL


O Estado de São Paulo acaba de "ganhar" uma nova área contaminada, e a cidade de Cubatão (Baixada Santista), mais um problema ambiental para resolver.
Duzentos mil litros (o equivalente a 50 carretas) de terra contaminada por organoclorados (compostos altamente tóxicos e potencialmente cancerígenos), oriundos de um terreno da indústria Carbocloro, foram doados à prefeitura e acabaram no aterro municipal de lixo domiciliar.
A Folha esteve no local na terça-feira passada e constatou que o solo contaminado foi armazenado provisoriamente -enquanto espera autorização para ser levado a um destino correto- em uma área do aterro que não é impermeabilizada pela manta que impede o chorume (líquido gerado pela degradação do lixo) de chegar às águas subterrâneas.
Por causa dos ventos, que retiraram parcialmente a cobertura de lona posta pela Carbocloro, os poluentes estavam sujeitos ainda à ação das chuvas que atingiram o Estado até meados da semana.
Segundo informações de Edilton Barbosa Santos, administrador do aterro, e de Elio Lopes Santos, ex-gerente da Cetesb (agência ambiental do governo do Estado) na Baixada Santista e professor do curso de engenharia química da Unisanta (Universidade Santa Cecília, de Santos), o maior risco é que, carregando as substâncias químicas, as águas pluviais que caem nas galerias levem os contaminantes para o rio Cubatão, onde há pesca para consumo próprio e comercialização.
Medições no solo do aterro indicaram a presença de hexaclorobenzeno (HCB), pentaclorofenol (PCP, conhecido como pó da China), tetracloroetileno e 1,2 dicloroetano em concentrações que chegam a cem vezes o limite de intervenção fixado pela Cetesb para zonas industriais -nível de qualidade do solo além do qual existem riscos à saúde e ao ambiente.
Os dados constam do relatório da Arcadis Hidro Ambiente, contratada pela Carbocloro para avaliar o dano ambiental. Não há registro de que organoclorados tenham chegado ao lençol freático, nem do aterro nem da área da indústria. Mas, por determinação da Cetesb, a empresa terá de fazer novas avaliações nesse sentido.

Persistente e tóxico
Dentre os poluentes, o HCB -um dos produtos mais perigosos- foi detectado em maior quantidade: suas concentrações variaram entre 4,7 mg/kg e 150 mg/kg, enquanto o valor máximo deveria ser de 1,5 mg/kg.
Composto que está, segundo a EPA (agência ambiental dos EUA), entre os 10% mais tóxicos para o homem, o HCB integra a lista dos "12 sujos": poluentes orgânicos persistentes (POPs) que, por estarem disseminados no ambiente e nos alimentos (neles permanecendo, sem se degradar, por gerações) e terem potencial para causar danos significativos à saúde, devem ser banidos pelos 90 países que assinaram a Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes -inclusive o Brasil.
A contaminação por HCB pode se dar por meio de aspiração de ar, contato com solo, ingestão de água ou alimentos contaminados e, em bebês, pela amamentação -quando a mãe foi exposta. No homem, o poluente age como um interruptor endócrino, associado à redução da fertilidade. Segundo o Departamento de Saúde dos EUA, é provável que cause câncer.
Além de ser usado como fungicida para sementes, o HCB é um subproduto em processos industriais como fabricação de solventes, de munição e de fogos de artifício. É subproduto ainda na fabricação do pó-da-china (também encontrado na terra contaminada). Pesticida usado na proteção de madeira, o produto foi fabricado em Cubatão, até o fim da década de 70, pela Rhodia e tem sua comercialização restrita desde meados dos anos 80.
Foi exatamente por causa da Rhodia que o HCB acabou ficando "famoso" no Brasil. Em 1993, depois de terem sido descobertos em Cubatão, São Vicente e Itanhaém (todos na Baixada) dez locais de descarte clandestino da empresa (onde havia HCB e pó-da-china), o Ministério Público interditou a sede da Rhodia por causa da contaminação por HCB de 150 empregados.
O local, que fica a menos de 500 metros do terreno da Carbocloro de onde foi retirada a terra contaminada, não voltou a produzir.
A proximidade física com a origem da poluição e a coincidência entre as substâncias encontradas nos lixões da Rhodia e no solo doado pela Carbocloro levam a ACPO (Associação de Combate aos POPs, antiga Associação de Consciência à Prevenção Ocupacional, formada por empregados da Rhodia afetados pelo HCB) e o secretário do Meio Ambiente de Cubatão, Eduardo Silveira Belo, a dizer que a multinacional francesa é a responsável pelo problema.
A Rhodia, porém, sustenta que não tem relação com o caso. Sobre a origem dos poluentes, a Cetesb não quis se posicionar, alegando ainda estar avaliando os relatórios recebidos da Carbocloro.
A indústria, por sua vez, afirma que nenhuma substância presente na terra contaminada é originária de sua planta (que fabrica principalmente soda cáustica, cloro e matéria-prima para PVC).
A área contaminada foi adquirida em 1978 e estava sofrendo terraplenagem para abrigar uma subestação elétrica. A Carbocloro notificou a contaminação depois que operários sentiram um "cheiro estranho". Os 200 mil litros de solo contaminado, porém, já tinham sido doados. Autuada em 17 de setembro pela Cetesb, a indústria tem até meados de dezembro para dar um fim ao solo e terá de averiguar se há metais pesados, como mercúrio e cromo, entre os poluentes.



Empresa ainda estuda que destinação dará para a terra contaminada existente em seu terreno e no aterro municipal

Carbocloro diz buscar "solução rápida"

DA REPORTAGEM LOCAL

"Para quem já investiu R$ 20 milhões na construção de uma subestação elétrica e está perdendo dinheiro porque ela está atrasada, cerca de R$ 1 milhão não é nada. Queremos é resolver esse problema o mais rapidamente possível para ficarmos quites em relação a questões ambientais."
É essa a forma encontrada pelo gerente de suporte industrial da Carbocloro, Ademar Salgosa Jr., para afirmar que a indústria não está se preocupando, pelo menos agora, em descobrir quem foi o responsável pela contaminação no seu terreno -a "conta final" pode, por lei, ser repassada a quem depositou os poluentes.
O "mais rapidamente possível", para ele, é o fim deste ano, quando a subestação já deveria estar começando a funcionar e chegarão máquinas importadas, que a Carbocloro não tem onde guardar.
A empresa ainda estuda qual será a destinação para a terra comprometida em sua área e no aterro da prefeitura de Cubatão. As opções são incineração ou envio a um aterro industrial. A escolha tem de ser aprovada previamente pela Cetesb. Segundo a assessoria de imprensa da agência, a contaminação no terreno da Carbocloro tem caráter pontual.
"Foram identificados dois "hot spots" [áreas de maior concentração de poluentes", mas, com a terraplenagem, eles se misturaram", afirma Salgosa Jr.. A terra foi doada à prefeitura, segundo ele, por exigência do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais, já que a construção da subestação pressupunha desmatamento. Estava prevista, inicialmente, a retirada de 3 milhões de litros de solo.

Rhodia
É na análise das características da contaminação que a Rhodia apóia sua defesa de que não tem nada a ver com o problema. "O "lixo" da Rhodia era composto por grandes blocos de hexaclorobenzeno [HCB" sólido; era um resíduo mais concentrado. Não é o caso agora", sustenta o porta-voz da multinacional francesa, Eduardo Octaviano.
Ele afirma ainda que o HCB não é um subproduto exclusivo dos processos produtivos da Rhodia e nega que haja ainda lixões não-identificados da empresa na Baixada. "Fizemos fotogrametria [cartografia por fotos" por satélite das áreas em que poderia haver focos, tendo como base os percursos dos caminhões, e nada foi encontrado", completa Octaviano.
A Rhodia diz considerar o caso da Carbocloro encerrado. A empresa francesa recebeu, porém, uma cópia do primeiro relatório dos problemas da área, em análise na Cetesb. "Eles são vizinhos e deveriam ficar informados", justificou Salgosa Jr.. Octaviano, confirma, por sua vez, que representantes da Rhodia estiveram no local "a convite dos vizinhos". (MV)


Contaminação da Rhodia ainda não foi resolvida

DA REPORTAGEM LOCAL

Clareiras malcheirosas, onde estavam depositados blocos amarelos que provocavam alergia na pele, tonturas e náuseas a quem quer que se aproximasse deles. Foram cenários como esse que, denunciados à imprensa por comunidades locais, levaram, em 1984, à descoberta oficial dos chamados lixões da Rhodia ao longo da costa da Baixada Santista.
Vinte e dois anos, quatro ações civis públicas e três termos de ajustamento de conduta depois, o problema descoberto em dez locais de despejo clandestino de organoclorados -como os tóxicos pó-da-china e HCB- ainda não está equacionado (nem há prazo previsto para isso). A multinacional francesa, que não produz mais nada em Cubatão, está importando tecnologia para tentar tratar os resíduos. O custo já chega a US$ 20 milhões (R$ 72 milhões).
Em abril, o Ministério Público federal reabriu as investigações para averiguar se as medidas de remediação adotadas são adequadas e se há novos lixões. Não chegou ainda a nenhuma conclusão.
A Cetesb afirma que é pouco provável que haja ainda locais de descarte. A Rhodia refuta totalmente a hipótese.
A ACPO se preocupa com a saída da empresa do pólo de Cubatão. Segundo Eduardo Octaviano, porta-voz da Rhodia, a multinacional só fecha as portas de vez quando tiver resolvido toda a questão ambiental.
Segundo a empresa, o descarte clandestino ocorreu na primeira metade dos anos 70, quando a fábrica tinha outro dono. (MV)


Município é segundo pólo de contaminação

DA REPORTAGEM LOCAL

O maior objetivo do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) em Cubatão é mudar a imagem da cidade, que já foi considerada o "vale da morte" e quer superar o estigma de ser uma das regiões mais poluídas do mundo. Mas a tarefa não é fácil.
Mesmo tendo melhorado a qualidade do ar -há pelo menos oito anos não é decretado estado de alerta por poluição atmosférica, em grande parte graças a um programa da Cetesb-, o passivo ambiental resultante de cerca de três décadas de uma industrialização sem comprometimento com padrões ambientais está apenas começando a ser descoberto.
Cubatão é a segunda cidade do Estado em número de áreas contaminadas. Com 23 (agora 24) pontos, fica atrás apenas da capital, onde há 102 locais comprometidos, segundo a Cetesb.
A diferença é que, em São Paulo, a maioria das áreas é composta por postos de combustíveis. Em Cubatão, eles são apenas três; o resto é formado pelos maiores nomes do pólo industrial, como Carbocloro, Petrobras, Rhodia, Ultrafértil e Cosipa.
As 25 grandes indústrias do pólo já investiram, até o ano passado, quase US$ 1 bilhão (cerca de R$ 3,6 bilhões) em ações de controle ambiental. O Ciesp defende ampliar a área industrial com indústrias pouco poluentes.
Isso não vai ocorrer se depender do secretário do Meio Ambiente de Cubatão, o coronel reformado Eduardo Silveira Belo. "É muito problema que temos de resolver."
Na avaliação de João Carlos Gomes, diretor de comunicação da ACPO, Cubatão é o resultado de um modelo que ignorou os impactos ambientais em nome da industrialização e cujo símbolo maior foi a posição dos representantes brasileiros na primeira grande reunião ambiental mundial, realizada em 1972, na Suécia.
"Cartazes da delegação brasileira diziam: "Bem-vinda a poluição, estamos abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrições'", conta.
Ademar Salgosa Jr., que dirige o Ciesp Cubatão, concorda que houve erros. "Só viram as vantagens da cidade. Não viram que a serra do Mar é uma imensa barreira natural à dispersão de poluentes." (MV)