MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


ILMA. SRA. PROCURADORA DA REPÚBLICA MARIA LUIZA GRABNER.


O COLETIVO DE ENTIDADES AMBIENTALISTAS COM CADASTRO JUNTO AO CONSEMA - CONSELHO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE DE SÃO PAULO,
nesta representado pelo conselheiro ambientalista CARLOS ALBERTO HAILER BOCUHY, brasileiro, casado, empresário, portador da cédula de identidade RG/SSP/SP nº5322085, inscrito no CPF/MF sob nº028550488-69, residente e domiciliado na Estrada de Barueri nº 595 - Carapicuíba-SP, vem, respeitosamente, oferecer a presente REPRESENTAÇÃO a este r. Órgão, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, passa a expor:

1º- Em data de 12 de dezembro p.p., a bancada ambientalista do Conselho Estadual do Meio Ambiente - CONSEMA - conjunto de seis conselheiros que representam as organizações não governamentais com tradição na defesa do meio ambiente no Estado de São Paulo, se retirou formalmente do referido Conselho. Tal fato ocorreu em virtude da indignação da comunidade ambientalista com o progressivo desmantelamento do sistema estadual de meio ambiente, somado a inúmeras circunstâncias de gestão, que testemunham o desrespeito ao princípio constitucional da moralidade dos atos de administração pública, consagrado no artigo 37 da Constituição Federal. Recentemente, este coletivo de entidades formulou requerimento ao Governador do Estado de São Paulo, visando a substituição do atual Secretário Estadual do Meio Ambiente, deputado Ricardo Tripoli, pela forma que, como presidente do CONSEMA, vem conduzindo o licenciamento de obras e empreendimentos no Estado de São Paulo, sendo representante de uma política "desenvolvimentista" que não respeita o meio ambiente no âmbito estadual (vide anexo 1 - moção de agravo e anexo 2 - clipping de imprensa).

2º- Necessário se faz explanar sobre alguns entre inúmeros casos de irregularidades, consubstanciados em inadequação ou falta de políticas públicas, licenciamento irregular, ou mesmo juridicamente nulo, de obras e empreendimentos pelo CONSEMA, irregularidades no uso de verbas e patrimônio público; falta de licitação pública em contratos; dispensa de avaliação ambiental a empreendimentos de interesse do Estado; atos de improbidade administrativa do staff de gestão ambiental, entre tantas outras situações, que demonstram claramente, e tristemente, a inépcia de um sistema de controle ambiental que já foi modelo para todo o País.

3º- Poderia, a primeira vista, parecer que a competência e legitimidade para análise e tomada de medidas cabíveis quanto a tais casos, fosse exclusivamente do Ministério Público Estadual. Entretanto, não só nos casos abaixo explanados, se vislumbra utilização de verbas públicas originárias de recursos federais, ou vindas do exterior com aquiescência do executivo federal, sugerindo o interesse e legitimidade do Ministério Público Federal para as providências cabíveis, como também a própria falência do sistema estadual de meio ambiente, seja pelo seu proposital sucateamento, seja pela incompetência e omissão, aconselham a intervenção dos órgãos da União, integrantes do SISNAMA, na preservação do patrimônio ambiental do Estado. Com efeito, o artigo 10 da lei 6938/81, confere ao IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, o licenciamento de atividades, em casos expressos no mesmo artigo, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

4º- Necessário ressaltar que cada caso a ser apresentado, por si só, mereceria uma provocação à parte, desse r. órgão. Entretanto, serão apresentados nesta, em conjunto, ilustrando a falência do sistema ambiental do Estado de São Paulo, a merecer intervenção federal.

CASO 1 - "DESPOLUIÇÃO" DO RIO PINHEIROS/ REVERSÃO DA BACIA DO ALTO TIETÊ PARA A VERTENTE OCEÂNICA.

5º- O Governo do Estado de São Paulo apresentou, no ano passado, projeto que poderia ser o carro-chefe de uma campanha ambientalista, consistente numa alardeada "despoluição" do Rio Pinheiros. Tal projeto, conexo com outros, como o "Projeto Pomar", consistiria em uma retirada de material sólido do referido rio, através do sistema de flotação. Segundo dados divulgados pelo próprio secretário, Ricardo Tripoli, após tal processo, a água do rio Pinheiros poderia ser classificada como "Classe 2", (classificação CONAMA), e que, portanto, poderia ser bombeada para a Represa Billings, hoje priorizada para abastecimento público, de acordo com o PMA-Plano Metropolitano de Água, aprovado pelo CONSEMA em 1997, que deu origem ao sistema de captação no braço Taquacetuba, que visa reforçar o sistema Guarapiranga, responsável pelo abastecimento de água para a população da zona sul de São Paulo. O projeto de flotação do rio Pinheiros foi bastante criticado pela comunidade científica, com destaque para o parecer de Ildo Sauer, coordenador dos programas de pós-graduação em Energia, da USP-Universidade de São Paulo, como "aventura tecnológica". Para os críticos, o processo de flotação (utilização de veículos físico-químicos para retirada de sólidos em suspensão, de um sistema hídrico) não seria suficiente por si só, para transformar a água do Rio Pinheiros em água "Classe 2". Seria necessário acrescentar tratamentos complementares, mais complexos e onerosos, para que tal ocorresse. Em verdade, a água terá boa aparência, sem turbidez, mas não será límpida ou, muito menos, potável. Ainda, segundo o professor Ivanildo Hespanhol, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da USP, "a flotação não remove compostos solúveis, como metais pesados, pesticidas, carcinogênicos, etc., que vão cair na Billings, no Taquacetuba, na Guarapiranga, e nas nossas torneiras" (vide "clipping" de imprensa em anexo 3 - jornal "O Estado de São Paulo", projeto de flotação do Rio Pinheiros). A própria empresa que fez o projeto piloto, com grande experiência internacional em tal processo, questiona não só o resultado, como a tecnologia obsoleta prevista, inventada em 1920 - presentes nos conhecidos flotadores Sveen Pedersen, no presente caso maquiado com sistema de "microaeração moderno", divulgado como tecnologia "de ponta", o que justificaria o imenso custo previsto no contrato assumido pelo Estado de São Paulo. Dois fatos sintomáticos se constituem em indícios de irregularidade: o primeiro, que nenhuma instituição financeira de renome aceitou o risco do fornecimento da linha de crédito, assim como nenhuma empreiteira aceitou parceria no projeto. O Governo teve de buscar parceria em empresa governamental, qual seja, a PETROBRÁS; o segundo, foi a dispensa de licitação pública em tal contrato, com a justificativa de "notória especialização" de empresa desconhecida no mercado, relegando outras com renome mundial (vide dossiê da empresa "KWI- KROFTA" - anexo 4), que instalou o processo piloto no canal do rio Pinheiros. Some-se a tais fatos, a dispensa de apresentação de EIA/RIMA para tal projeto, o que foi solicitado pelos ambientalistas em uma audiência pública de validade discutível, realizada em 15 de fevereiro do ano em curso, solicitação ratificada posteriormente em plenária do CONSEMA. A justificativa para dispensa de EIA/RIMA, apresentada pela Secretaria do Meio Ambiente, e pela CETESB, foi sempre evasiva, demonstrando fuga a um debate público, resumindo-se a apresentação do projeto em eventos pontuais comemorativos, sem debate técnico científico, o que também se configura num indício de irregularidade no trato da coisa pública. Em suma, tal projeto, além de utilizar tecnologia obsoleta, é excessivamente caro e não obterá os resultados que enganosamente se constituem em propaganda do Governo estadual.

6º - O interesse e legitimidade do Ministério Público Federal se encontram presentes para providências em tal caso, não só pelo fato de utilização de verba pública oriunda da PETROBRÁS, como também pelo fato de que o bombeamento de água do Sistema Tietê-Pinheiros para a Billings, visará precipuamente, geração de energia elétrica pela usina Henry Borden, e, segundo parecer do professor Miguel Reale, "o reservatório Billings não constitui bem do estado mas sim da União. ... o artigo 21, XII, "b" da Constituição Federal, que confere competência à União para "explorar, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento de cursos d'água, em articulação com o Estado onde se situam os potenciais hidroenergéticos"...". Assim, cabe ao "Parquet" federal aquilatar sobre tais fatos, não só os aspectos ambientais, bem como também a probidade administrativa ou não, dos agentes políticos envolvidos.

CASO II - PPMA - PROJETO DE PRESERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA - COOPERAÇÃO FINANCEIRA BRASIL-ALEMANHA - PROJETO KfW

7°- Com o fim de preservação do que resta do ecossistema florestal da mata Atlântica, foi firmado acordo financeiro, envolvendo empréstimo oriundo da Alemanha, (cuja aprovação passa pelo crivo diplomático do Brasil e gera interesse da União), destinada ao Governo do Estado de São Paulo. Tal verba vem sendo utilizada, principalmente, para equipar a Polícia Florestal e de Mananciais de Estado de São Paulo, o DEPRN - Departamento de Proteção aos Recursos Naturais e o Instituto Florestal (sendo os dois últimos órgãos integrantes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente), com viaturas e equipamentos, infra-estrutura e sistemas de comunicação, bem como otimização e capacitação dos recursos humanos envolvidos. Os recursos montam, para a execução do projeto, em aproximadamente R$ 60.000.000.,00 (sessenta milhões de reais), geridos e administrado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

8° - Várias irregularidades vem acontecendo na gestão de tais bens. Gritante exemplo é o consubstanciado no ofício CPFM174/30/01 (anexo 5), em que o comandante de policiamento florestal, solicita mudança de destinação de verbas para "compra de 21 viaturas modelo caminhonete cabine dupla, sendo 15 delas dotadas de equipamento para incêndios florestais". O próprio parecer da consultoria independente (CIPPPMA-SMA/KfW 34/2001) - (anexo 5), contesta a alteração solicitada, por haver sido realizado investimento em projeto executivo com custo de aproximadamente R$ 90.000,00 (noventa mil reais), já pagos á empresa HAGAPLAN. Ressalte-se que a verba era originalmente destinada à compra de sede para o DEPRN e a Polícia Florestal, que hoje pagam R$ 8.000,00 (oito mil reais) de aluguel, além da contratação de empresa de segurança ao custo aproximado de mais R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). A lei municipal da município do Guarujá, LC 36/96, citada no parecer, determina um prazo para a utilização da área doada pela municipalidade para a referida construção, e , caso isso não ocorra, esses órgãos ambientais vitais para a proteção da mata atlântica perderão o terreno avaliado hoje em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Ressalte-se ainda que o componente incêndio florestal nunca foi colocado como prioridade no projeto, baseado no fato de que as condições meteorológicas da mata atlântica minimizam esses riscos. Além disso, o Corpo de bombeiros e a defesa civil já tem a missão de combater incêndios florestais. Mesmo que tais incêndios ocorressem na região, estes são normalmente combatidos com aeronaves, como ocorre no mundo inteiro, visto que os veículos seriam imprestáveis para chegar em locais de mata cerrada ou de relevo acentuado, servindo no máximo para transporte de tropas terrestres.

9° - Outro fato, documentado no Ofício nº CPFM 148/41/01 (anexo 5), é mais um pedido do comandante da polícia florestal de substituição de barco patrulha de 43 pés, por "embarcações menores" infláveis. O curioso.é que tais barcos não poderiam se deslocar a mais de uma milha da costa, para chegar, por exemplo, nas diversas ilhas com Parques e Estações Ecológicas tanto federais como estadual, cuja distâncias só poderiam ser transpostas por embarcações de médio porte, ou embarcações de mar aberto. Ainda com relação aos botes, seria a possibilidade de um confronto com infratores, que, até com armas de ar comprimido, poderiam deixar as guarnições de policiais a nado, com o fácil afundamento dos infláveis. Tais pequenas embarcações não possuem equipamentos de navegação, podendo ser utilizadas estrategicamente apenas como apoio. Ressalte-se que a compra da embarcação originalmente prevista, de 43 pés, já havia sido autorizada pelo banco KfW no ano de 2.000. Curiosamente, da atual solicitação, não consta do memorial descritivo qualquer notícia sobre a motorização dos barcos infláveis.

10° - Outro caso, que retrata malversação de recursos públicos, foi a compra, em dezembro de 2000, de 6 (seis) veículos marca Volkswagen, sendo 3 (três) Paratis e 3 (três) Gols, para o DEPRN, além de 12 (doze) veículos marca Chevrolet, caminhonetes modelo S-10 cabine dupla, destinados à Polícia Florestal. Essas viaturas foram entregues à Secretaria do Meio Ambiente em março de 2000, mas permaneceram guardadas, com seguro total pago, até 8 de novembro de 2001, quando foi realizada a entrega oficial para entrada em operação, com grande alarde junto à imprensa.

11° - Outro fator preocupante, que exige a devida atenção por parte da sociedade, é que mais um recurso do projeto, do banco KfW, utilizado pelo gabinete do secretário de meio ambiente, previu e executou a contratação, para o DPRN-3, de Santos, de aquisição de programa de informática chamado GED (gerenciamento eletrônico de documentos), ao valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais). Esse programa foi pago à vista e não foi implantado a contento. A empresa contratada, Computec - Computer Technics Comércio e Consultoria Ltda., foi condenada recentemente a devolver ao município de Jundiaí a importância de 1,8 milhões por superfaturamento (anexo 6).

12° - Necessário ressaltar que o tal comandante da Polícia Florestal, foi colocado no posto pelo atual Secretário do Meio Ambiente, que afastou inexplicavelmente o anterior comandante do cargo.

CASOS DE INTERESSE ESTADUAL QUE ILUSTRAM A INÉPCIA DO SISTEMA AMBIENTAL DO ESTADO, ENSEJANDO EXAME DO "PARQUET' FEDERAL.

 

 

 

 

 

 

 

 

Pelo retro exposto, se requer o reconhecimento de inépcia do sistema de gerenciamento ambiental do Estado de São Paulo, com as providências de praxe, consubstanciadas em ABERTURA DE INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO para apuração das questões ambientais, e possível infração à Lei de improbidade administrativa por agentes políticos envolvidos, para que a sociedade paulista tenha uma resposta do Poder Público, quanto à normalidade, eficiência e confiabilidade dos órgãos de proteção ambiental do Estado

 

Termos em que,
P .deferimento.
São Paulo, 14 de dezembro de 2001.

 

COLETIVO DAS ENTIDADES AMBIENTALISTAS DO CONSEMA