SEMINÁRIO PREVENÇÃO DE GRANDES ACIDENTES INDUSTRIAIS

Prezados Senhores,

A Associação de Consciência à Prevenção Ocupacional – ACPO (antiga Associação dos Contaminados Profissionalmente por Organoclorados), saúda vossa participação neste evento e pretende, além do conhecimento a ser adquirido por seus integrantes, colaborar também com o relato pessoal das circunstâncias e fatos que marcaram e que ainda têm marcado o desenrolar de um dos maiores casos de contaminação ambiental e exposição humana por substâncias químicas tóxicas no Brasil, protagonizado na região da Baixada Santista pela multinacional de origem francesa Rhodia S.A.

Esta empresa - uma das maiores corporações mundiais da indústria química - depois de enterrar de maneira inadequada toneladas de resíduos de sua fabricação no subsolo da fábrica, simplesmente despejou clandestinamente a céu aberto ao longo do litoral sul do Estado de São Paulo mais de 12.000 toneladas de resíduos sólidos industriais tóxicos, comprometendo irreversivelmente mais de 300.000 toneladas de solos e águas subterrâneas (recurso natural hoje comprovadamente escasso), inclusive em áreas de preservação permanente como mananciais e manguezais. Resultado: toda a cadeia alimentar foi contaminada pelos organoclorados, incluindo peixes, moluscos, crustáceos e hortifrutigranjeiros produzidos pela população carente que habita áreas próximas. Pesquisas epidemiológicas (que não tiveram prosseguimento devido à pressão e mesmo cooptação do poder público por parte da multinacional) realizadas por diversos sanitaristas apontaram a presença destes tóxicos no sangue e até no leite materno de moradores, além dos próprios trabalhadores da empresa.

Num momento em que vários episódios semelhantes ganham destaque no noticiário nacional e despertam atenção até mesmo no exterior, mais especificamente falando o caso da Shell em Paulínia e do Aterro Industrial Mantovani em Santo Antônio da Posse (apenas confirmando a ponta do iceberg de uma situação gravíssima estimada pela própria Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo em cerca de 4.000 pontos de contaminação por poluentes industriais do solo e aqüífero subterrâneo), e cerca de um mês apenas da histórica assinatura pelo governo brasileiro do Tratado de Estocolmo para banimento dos POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes) – entre eles o Hexaclorobenzeno (HCB) que intoxica cronicamente os trabalhadores da Rhodia de Cubatão – cursos desta natureza apontam para um emergente e indispensável comprometimento da sociedade civil, nas suas mais diversas formas de organização, na luta pela preservação ambiental e pela proteção dos trabalhadores e comunidades vizinhas a grandes conglomerados industriais.

Torna-se imperativo de nossa parte, no entanto, diante deste comprometimento de que falamos acima, registrar aqui nosso protesto indignado e veemente repúdio pela indicação do Sr. Herbert Passos Filho – presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas da Baixada Santista – para a composição dos trabalhos, em especial do painel “Experiências com Hexaclorobenzeno na Baixada Santista”, uma vez que atestamos publicamente - na condição de vítimas e personagens ativos que somos deste crime ambiental e humano – sua total omissão, arbitrariedade e truculência que o privam de qualquer credibilidade e legitimidade para esta participação que enseja tamanha responsabilidade.

A própria existência da ACPO – que têm se notabilizado como a legítima representante dos trabalhadores contaminados por organoclorados e outras substâncias tóxicas, e se consolidado também como uma ONG combativa que exerce diuturnamente o conceito de cidadania na luta contra a poluição tóxica - reputa-se a esta conduta censurável e prepotente do Sr. Passos, que colaborou sensivelmente com tal postura no mínimo suspeita ao longo dos oito anos que sucederam à interdição judicial da Usina Química de Cubatão da Rhodia para a impunidade da empresa poluidora (ré em 4 Ações Civis Públicas somente em nossa região) e de seus dirigentes inescrupulosos. A Rhodia permanece inadimplente em relação às avaliações médicas dos trabalhadores (em especial dos ex-funcionários da empresa e dos trabalhadores de empreiteiras que prestaram serviços na fábrica) e executando uma suposta “recuperação ambiental” das áreas afetadas com resultados duvidosos, contando com a conivência tácita do Sr. Passos e da própria CETESB, e enfrentando a vigilância e as críticas pertinentes unicamente da ACPO, que ao contrário do Sindicato não dispõe de recursos financeiros e materiais, mas que assume com total desprendimento esta tarefa que legalmente, e até mesmo moralmente, caberia a este senhor.

Num universo de 156 trabalhadores contaminados à época da interdição, mais de uma dezena vieram a óbito ao longo dos anos com doenças graves correlacionadas com a exposição aos POPs – incluindo câncer, imuno-depressão, comprometimento hepático, insuficiência renal e problemas cardíacos – sem que nenhum caso tenha sido devidamente investigado e com o conseqüente prejuízo das famílias destes operários, que a exemplo dos moradores das áreas contaminadas permanecem sem nenhum tipo de reparação cível. Duas autópsias foram manipuladas de forma a prejudicar os trabalhadores vítimas da contaminação, uma dessas de autoria do Sr. Fortunato Badan Palhares, sem que jamais houvesse qualquer inquérito a respeito. Pior: não são disponibilizados dados sobre o destino dos ex-funcionários e dos trabalhadores de empreiteiras, fato que em muito colabora para a falta de punição à empresa poluidora. Os Comunicados de Acidente do Trabalho – CATs lavrados logo após a interdição judicial da fábrica foram arquivados pelo INSS por falta de encaminhamentos legais do departamento jurídico do Sindicato.

Neste mesmo momento, há trabalhadores padecendo de problemas reprodutivos, neuro-comportamentais (todos os avaliados pela Dra. Beatriz Lefévre da USP, dois internados neste momento num hospital de Santos), hepáticos, renais e distúrbios da glândula tireóide (um caso de câncer confirmado), e todos indistintamente marcados profissionalmente pelo resto de suas vidas pelo rótulo de operários contaminados, portanto discriminados no mercado de trabalho já tão restritivo.

Diante deste quadro, quais as atitudes do Sr. Passos e do Sindicato dos Químicos da Baixada Santista?

- Diante dos crimes ambientais e do desamparo e falta de acompanhamento epidemiológico das populações expostas silenciaram completamente, preferindo pronunciar-se publicamente somente quando na defesa da instalação da usina termelétrica da CCBS que irá poluir ainda mais o ar de Cubatão, na defesa do bombeamento das águas poluídas da represa Billings via Usina Henry Borden (geradora de energia para as indústrias) para o estuário de Santos (poluindo-o ainda mais com esgotos e rejeitos das indústrias do ABC), atacando o Ministério Público quando este intercede em defesa da preservação do meio ambiente, posicionando-se contra o projeto-de-lei federal que obrigava indústrias de cloro-soda a modernizarem-se substituindo o ultrapassado modelo que utiliza células com mercúrio (como a Carbocloro), entre outras posições nitidamente favoráveis aos interesses empresariais e contrários aos da população da Baixada Santista. Sempre recorreu nestes casos ao surrado e demagógico discurso da geração de empregos, sem no entanto denunciar jamais a drástica redução de postos de trabalho e a precarização das condições ocupacionais no pólo petroquímico de Cubatão;

- Expulsou de forma arbitrária e com total cerceamento de defesa aqueles trabalhadores que ousaram criticá-lo por sua postura autoritária;

- Invadiu com outros diretores do Sindicato em 1.994 as dependências do Teatro Municipal Rosinha Mastrangelo - em manobra para intimidar o fotógrafo que registrava o Encontro Nacional dos Trabalhadores e Vítimas da Rhodia;

- Convocou assembléia em 1.997, de forma irregular e diante da recusa dos presentes em aprovar a proposta patronal, fraudou ata forjando uma deliberação favorável a partir da qual celebrou acordo coletivo lesivo aos interesses dos trabalhadores contaminados;

- Recusou-se a oferecer denúncia preparada pela ACPO à Organização Internacional do Trabalho – OIT, contra a Rhodia e o governo brasileiro por desrespeito à Convenção 155 - que versa sobre o Meio Ambiente de Trabalho - e que, consignada com o apoio do Sindicato dos Químicos do ABC resultou no enquadramento da empresa e do governo por desrespeito aos princípios desta Convenção;

- Omitiu-se e pelo contrário até incentivou a adesão de operários contaminados com dificuldades financeiras a aderirem a Planos de Demissão Voluntária com renúncia total a direitos conquistados com imensa dificuldade e abandonando-os à própria sorte;

- Colaborou publicamente com a Rhodia, em 1.999, numa unilateral e coercitiva tentativa de transferência de trabalhadores para outras bases, mesquinhamente visando com isso a desintegração da ACPO e a conseqüente supressão de qualquer tipo de oposição em seus domínios;

- E finalmente, diante da intransigência da ACPO na defesa dos contaminados, chegou ao cúmulo do totalitarismo que o caracteriza ao substituir de maneira arbitrária e unilateral, sem qualquer consulta aos trabalhadores, sem assembléia a Dra. Rosiléia Leal Dias Mongon, representante dos trabalhadores na junta médica tripartite que avalia os casos de contaminação, apesar da contrariedade formalizada pelos contaminados junto ao próprio Sindicato e ao Ministério Público. Impôs aos trabalhadores a representação do Dr. José Tarcísio Penteado Buschinelli, que notificado da contrariedade dos trabalhadores também insiste na própria indicação, em conduta antiética, altamente reprovada pelos trabalhadores.

Nós, operários brasileiros vítimas das más condições de trabalho da indústria química e cidadãos preocupados com a preservação de nosso meio ambiente, da saúde pública e ocupacional, somos contra as agressões praticadas por empresas inescrupulosas, trazemos estas informações aos senhores para que entendam o porquê de encararmos estarrecidos a participação deste “sindicalista”, neste tema – em tão importante evento, pois muito pouco tem feito defesa do contaminado. E nos colocamos desde já a disposição para colaborar pela implementação dos termos da Convenção 174, que a nosso ver pode e deve encontrar também na Convenção 155 que supra citamos, uma ferramenta valiosa na construção de uma consciência de segurança química para os trabalhadores e à população.

Agradecemos sua atenção e compreensão, convidando-os a visitarem nosso site na Internet: http://sites.uol.com.br/acpo94.

 

Santos, 26 de junho de 2001